Porque eu decidi combater a transposição de cargos na Receita Estadual do Paraná: o princípio do concurso público

Ninguém acorda da noite para o dia e decide mudar o mundo. As maiores cruzadas são sempre fruto de uma insatisfação constante que cresce progressivamente até que se torna um motivo para acordar mais cedo, sacrificar seu tempo livre e corrigir o que se encontra errado.

Por mais pequena que seja a luta e por mais insignificante que seja o resultado, são sempre os insatisfeitos que decidem mudar algo.

Não é diferente com relação aos cargos ocupados na Receita Estadual por Agentes Fiscais de nível médio sem concurso público.

Não é novidade nem é segredo que há muitos anos existem Agentes Fiscais nível médio transpostos inconstitucionalmente ao cargo de Auditor Fiscal de nível superior sem concurso.

Existe um mito bem difundido de que a mudança se deu apenas na nomenclatura do cargo. Mas se ignora de propósito que a carreira tinha quatro níveis com diferentes requisitos. Exatamente do mesmo modo como a carreira de Agente Fazendario possui hoje o mesmo nome para três diferentes níveis.

Outros se apegam a um suposto acesso que era previsto na lei que regia o cargo, que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 e que, mesmo antes da transposição de cargos, para muitos nem mesmo havia sido exercido.

Essa questão já foi levada ao Supremo Tribunal Federal pela Procurdoria Geral da República através da ADIN 5510 e já foi decidida pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná através de dois incidentes de inconstitucionalidade.

No julgamento dos embargos de declaração propostos contra o segundo julgamento, a matéria foi pormenorizada e exaurida.

“No exame que fez acerca da matéria de direito que lhe foi submetida, o Órgão Especial concluiu que a Lei Complementar nº 131/2010 permite a transposição de cargos de Agentes Fiscais das classes AF-3 e AF-4, com atribuições menos complexas e de menor responsabilidade, para cargos de maiores responsabilidades e com requisitos diferentes, notadamente o de escolaridade de nível superior. Isso precisamente por considerar, fundamentadamente, não integrarem os cargos de Agente Fiscal das classes AF-4 a AF-1 uma única carreira. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Nº 1.225.403-2/02 DO ORGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. 07/01/2016.

E hoje constitui matéria de direito à que se encontram vinculados os órgãos fracionários.

“Pela impossibilidade de ser uma lei reputada constitucional quando aplicada a determinada situação, mas inconstitucional quando aplicada a outra, se tinha o propósito de regular em caráter geral relações jurídicas uniformes (que, em verdade, não o são), foi que o Tribunal concluiu que “nunca estará, porém, em conformidade com a Constituição a transformação que abranja, como a feita pela Lei Estadual nº 131/2010, também a transposição de cargos de nível médio AF-3 e cargos de nível superior AF-2 para cargos de nível superior de Auditor Fiscal, independentemente de concurso público específico, pois implica investidura em cargo de outra carreira, em afronta o entendimento cristalizado na súmula nº 685 do STF, recentemente transformada em sua 43ª súmula vinculante”. – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO Nº 1.225.403-2/02 DO ORGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ. 07/01/2016.

No entanto, mesmo a questão já tendo sido decidida no Tribunal de Justiça e não tendo havido pronunciamento do plenário do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário, Agentes Fiscais de nível médio continuam ocupando os mais altos cargos na administração pública do Paraná, em clara afronta ao princípio do concurso público.

Dos 100 maiores salários de TODO o Poder Executivo do Estado do Paraná pagos no mês de dezembro, 63 correspondem a Agentes Fiscais de nível médio investidos no cargo de Auditor Fiscal sem concurso público.

A situação é tão distorcida que os salários que estão sendo pagos hoje são maiores do que o do Governador do Estado e da maioria dos Secretários. Mesmo não existindo em toda a Justiça Estadual e no STF uma única decisão que reconheça a constitucionalidade da ascensão funcional dos Agentes Fiscais de nível médio ao cargo de nível superior sem concurso público.

Mas a minha motivação não são apenas os salários estratosféricos que trazem prejuízo constante ao erário. São as Funções de Gestão Tributária. Uma espécie de função de coordenação, chefia e assessoramento criadas na Receita Estadual do Paraná no final do ano passado.

Diferente dos cargos em comissão, que são normalmente nomeados livremente pelo Governador do Estado, e que na Receita Estadual eram restritos aos Auditores Fiscais do Eatado, as Funções de Gestão Tributária presumem que sejam designados apenas os integrantes da carreira na qual correspondem e não que podia ser diferente.

No entanto, a imensa maioria dessas Funções de Gestão Tributária foram providas por Agentes Fiscais de nível médio em prejuízo a Auditores Fiscais de nível superior que ingressaram na carreira de forma constitucional por meio do competente concurso público.

Eu sou um desses Auditores Fiscais aprovados em um concurso realizado de acordo com a Constituição Federal cujo requisito de escolaridade era ensino superior. Concorri com outros 11 mil candidatos para ser alçado a um cargo cuja complexidade e exigência se adequou ao numero de candidatos que concorriam pelas mesmas vagas e conheci, entre os quase 11 mil candidatos não aprovados, muitos outros mais qualificadas para ocupar as mesas vagas que hoje são ocupadas por Agentes Fiscais de nível médio transpostos providos sem concurso público.

Esse é o verdadeiro princípio da ampla concorrência e do concurso público:

Se a carreira tem como requisito o ensino superior, é inconstitucional seu provimento de forma derivada burlando o princípio da ampla concorrência e do concurso público.

Mais inconstitucional, ainda, é alçar esses mesmos servidores à funções de direção, chefia e assessoramento, explicitamente vedadas aos Agentes Fiscais 3 de nível médio na lei que regia o concurso originalmente realizado. Em prejuízo direto tanto a quem foi aprovado e concorreu de forma ampla em um concurso público, quanto a quem não foi aprovado porque as vagas já se encontravam ocupadas de forma inconstitucional por quem ascendeu ao cargo sem concurso público.

Essa, na minha opinião, é a principal dificuldade de trabalho na Receita Estadual do Paraná e é a principal distorção que precisa ser resolvida.

Mesmo que para isso seja necessário acordar mais cedo, estudar, redigir e sacrificar meu tempo livre.