A verdade é um conceito fluido. Mais fluido do que a água, que tendo um caminho para percorrer, se recusa a ficar parada no mesmo lugar.
A opinião, então, é como uma nuvem e praticamente deixa de existir para quem a lhe vê de perto. Não tem forma nem substância, é a penas um amontoado de gotículas de água em suspensão.
O que dizer então de um processo disciplinar para apurar a opinião de um servidor, auditor fiscal de nível superior, conduzido por fiscais de nível médio transpostos, na minha opinião, de forma inconstitucional?
Um processo para apurar se eu, aqui nesse site, menti ao afirmar ser inconstitucional essa transposição?
Transposição sim, na minha opinião. Mas não apenas na minha opinião. Transposição também na opinião do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná, da Procuradoria Geral do Estado, da Procuradoria Geral da União e, o mais importante, na opinião do Ministro Roberto Barroso, relator na Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona essa transposição.
É um conjunto de opiniões que, pelo menos para mim, em conjunto com a análise das leis aplicáveis, me convenceram da inconstitucionalidade dessa transposição.
Volto assim ao tal processo disciplinar, no qual sou acusado de prejudicar deliberadamente a reputação de outros servidor sabendo-os inocentes, por ter publicado aqui nesse site minha opinião sobre essa transposição.
Ocorre que essa acusação em específico significa me acusar de ter mentido, ou seja, manifestado um fato que não é verídico, e isso torna bastante interessante a questão.
Nesse processo em questão ao menos cinco fiscais de nível médio transpostos ao cargo de auditor fiscal afirmam que não houve essa transposição e que, por isso, eu estaria mentido. Mas é aí que o imbróglio fica interessante. Se de fato houve essa transposição, não são esses cinco servidores que mentiram no processo disciplinar ao afirmar que não houve essa transposição?
Veja, até que ponto a verdade sobre a interpretação de um fato jurídico se distancia de uma opinião?
Se eu me permitir adotar o mesmo raciocínio desses servidores, posso afirmar aqui categoricamente que todo servidor transposto que afirmou não existir essa transposição mentiu no processo disciplinar e fez isso conscientemente para sustentar a acusação de que eu teria mentido ao afirmar que houve essa transposição. Interessante, não?
É uma inversão bastante interessante na minha opinião.
Além disso, eu tenho um vídeo gravado de uma das audiência na qual dois desses servidores afirmam categoricamente que não são transpostos. Mas me pergunto, como fica essa afirmação diante de um julgamento contrário pelo Supremo Tribunal Federal? Esses servidores mentiram no processo administrativo disciplinar ao afirmarem que não foram transpostos, uma vez que o STF reconheça ter ocorrido essa transposição?
Veja bem, não socorre afirmar que a modulação dos efeitos será prospectiva, porque a modulação dos efeitos em nada interfere na verdade material. Isso porque uma vez reconhecida a inconstitucionalidade da transposição, esses servidores terão, sim, mentido no processo disciplinar, com o objetivo de sustentar suas posições.
Me permito ainda ir mais longe, uma vez que o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade foi suspenso após um pedido de vistas do ministro Dias Toffoli. O que pode mudar ou não o resultado do julgamento em questão.
Imaginemos por um momento que esse processo administrativo disciplinar continue seu curso e que esses servidores transpostos – na minha opinião e na opinião do relator da ADIN – entendam que eu menti ao afirmar que são transpostos e que esses servidores opinem pela minha demissão. Imaginemos também que na sequência o STF julgue inconstitucional essa mesma transposição. Qual é o valor da indenização que devo demandar desses servidores por terem mentido no processo administrativo disciplinar?
A final, se na opinião deles eu menti ao afirmar que são transpostos, não teriam eles sim mentido ao afirmar que não são transpostos diante de um julgamento contrário pelo Supremo Tribunal Federal?
Certamente é um problema bastante interessante de ser analisado e é por isso que não existe o chamado delito de opinião. Mas não fui eu que dei início a esse processo e não fui eu quem suscitou a existência desse suposto delito de opinião. Foram os dois fiscais transpostos que conduziram a sindicância administrativa na qual atuaram sem declarar suas suspeições.
Tudo isso demonstra como o conceito de verdade e mentira é um conceito complicado demais para ser submetido ao controle estatal. Ao mesmo tempo que ilustra com perfeição o que significa a chamada liberdade de expressão.
Mentir em um processo administrativo disciplinar é algo extremamente grave e que tem consequências concretas. O que dizer então de uma mentira contada por um membro de uma comissão sindicante ou processante para assegurar sua própria condição?
É exatamente para isso que existe o instituto da suspeição e é por isso que todo servidor chamado a compor uma comissão disciplinar deve declarar-se suspeito quanto tiver interesse no resultado do processo. Cabe ao servidor declarar essa suspeição e, na minha opinião, esses servidores agiram de ma-fé ao não se declararem suspeitos. Motivo pelo qual eu ainda irei demandar as respectivas indenizações correspondentes às mentiras contadas nesse processo disciplinar. Mas só depois do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
Por enquanto o que existe no STF é apenas um voto e mesmo que eu ache que esse voto reflete com precisão a situação jurídica real, o julgamento ainda não está concluso no Supremo Tribunal Federal.
A verdade e a opinião não podem ser objeto controle estatal e esse processo administrativo disciplinar é um exemplo sensacional do porquê não.
Ao me acusarem de ter mentido sobre a transposição, todos esses servidores, em tese, é que mentiram no processo disciplinar.