O Supremo Tribunal Federal – STF deu início no último dia 10 deste mês ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona a transposição dos cargos de Agente Fiscal 3, de nível médio, para Auditor Fiscal, de nível superior. O voto do relator, Ministro Roberto Barroso, qualifica a mudança como ingresso irregular.
O julgamento foi suspenso por pedido de vista do Ministro Dias Toffoli, que pode abrir divergência quanto a conclusão do Relator.
Na minha opinião, é possível que seja aberta essa divergência. Não no mérito, visto que existiam diferentes níveis de escolaridade e diferentes atribuições antes da unificação das carreiras de Agente Fiscal na carreira de Auditor Fiscal. O quê deixa claro ter havido essa chamada transposição. Mas acredito que possa haver uma divergência na tese e na modulação.
Acredito na fixação de uma tese mais no sentido de que “A reestruturação de carreiras de diferentes níveis de escolaridade em uma única carreira de nível superior constitui forma de provimento derivado vedada pelo Art. 37, II, da CF/88”. Visto que houve uma reestruturação e não uma equiparação.
Essa tese já possui precedentes no STF e guarda correlação com o tema 697 com repercussão geral reconhecida e com a tese que foi fixada no julgamento desse tema em dezembro de 2020.
Tema: “Constitucionalidade de lei que, ao aumentar a exigência de escolaridade em cargo público, para o exercício das mesmas funções, determina a gradual transformação de cargos de nível médio em cargos de nível superior e assegura isonomia remuneratória aos ocupantes dos cargos em extinção, sem a realização de concurso público.”
Tese: “É inconstitucional o aproveitamento de servidor, aprovado em concurso público a exigir formação de nível médio, em cargo que pressuponha escolaridade superior“
Esse tema, o de número 697, retrata com precisão a situação ocorrida com a edição da Lei Complementar 92/2000 do Estado do Paraná, reiterada posteriormente com a edição da Lei Complementar 131/2010, e foi um dos fundamentos do Mandado de Segurança que impetrei em 2021.
A tese da impossibilidade da equiparação, no entanto, pode acabar prosperando para evitar uma possível tentativa de equiparação. Isso caso a transposição seja julgada definitivamente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas voltemos para o tema inicial.
Existem hoje 525 fiscais em atividade na Receita Estadual do Paraná. Sem descontar, contudo, os que se encontram afastados por estarem cedidos a outros órgãos, os que exercem mandato sindical e os que se encontram afastados por decisão judicial.
Desse total, 441 ingressaram por meio de concurso público para o cargo de Agente Fiscal 3, de nível médio, e 84 ingressaram por meio de concurso público para o cargo de Auditor Fiscal, de nível superior. Mas conversas paralelas indicam que o número de fiscais em atividade na Receita Estadual que ingressaram por meio de concurso para o cargo de Agente Fiscal 3 é algo em torno de 380. Sendo que os fiscais que seriam atingidos pela decisão do STF seriam hoje quatro a cada cinco fiscais em atividade na Receita Estadual.
O último concurso, para Auditor Fiscal, previa 100 vagas. Mas essas 100 vagas nunca foram preenchidas no total. Na minha opinião, não foram preenchidas para manter a instituição em uma situação de “falta de pessoal”, dando uma espécie de segurança a todos que foram transpostos. Forçando uma ideia de impacto “catastrófico” que traria uma eventual “destransposição”.
Catastrófico entre aspas porque eu não acredito que esse impacto seja realmente um problema. Haja visto o “impacto” das operações Publicano que praticamente fecharam a delegacia da Receita Estadual de Londrina e nem por isso a Receita parou. O que se observou na sequência, do meu ponto de vista, foi até um aumento na arrecadação. Por isso eu acredito que um eventual aumento da arrecadação pode ser uma consequência também dessa “destransposição”.
Acho isso porque hoje existem tecnologias como a automação de processos corporativos e a inteligência artificial podem trazer um ganho de produtividade que é inimaginável antes da sua adoção. Basta olharmos, por exemplo, para o recente ChatGPT, que produz textos melhores do que muita gente consegue produzir.
Essas tecnologias tem sua adoção muitas vezes sabotadas de dentro das próprias instituições, porque efetivamente substituem postos de trabalho pela automação.
Por isso que como mestre em engenharia da computação, especificamente na área de inteligência artificial, tenho plena convicção de que eventos de adaptação forçada, como pode ser o caso dessa “destransposição”, são o ambiente ideal para adoção de novas tecnologias e automação.
Mas, em alguns casos, apenas a mudança de procedimento e da cultura organizacional já pode ser suficiente para aumentar, em vez de diminuir, a produtividade geral.
Não acredito que a Receita Estadual ficaria “engessada” ou paralisada com um eventual julgamento procedente da Ação Direta de Inconstitucionalidade. Acredito, sim, que o resultado levaria a uma rápida alteração legislativa, possivelmente no sentido de desrespeitar a decisão do Supremo e contornar a situação.
Vale muito a pena ignorar o Supremo quando as decisões são prospectivas (ex nunc) porque o tempo que se leva para aprovar qualquer coisa na Assembleia Legislativa sempre será uma fração do que o STF demora para julgar a inconstitucionalidade ex nunc.
Em um eventual julgamento procedente da ADIN, o que eu acho mais provável é uma nova lei inconstitucional. Perpetuando a situação irregular até a aposentadoria do último servidor.
Em matéria de lei estadual, respeitar o STF não vale a pena quando a modulação do efeitos é ex nunc.