A censura e o STF

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o bloqueio de contas em redes sociais, WhatsApp e Telegram de um conjunto de pessoas investigadas por publicarem mensagens antidemocráticas.

A decisão, na minha opinião, é como proibir o dinheiro porque o dinheiro foi utilizado para cometer um crime. Mas é outro ponto da decisão que me chama mais a atenção, é o que não foi bloqueado pelo ministro.

Desde que começaram as investidas do STF contra os radicais de esquerda e direita (PCO inclusive), o Ministro determinou apenas o bloqueio de contas e perfis em redes sociais sem bloquear por completo a liberdade de manifestação dos atingidos.

O PCO, por exemplo, continua com seu veículo de comunicação que mantém no site causaoperaria.org.br. Inclusive com suas postagens nas quais chama o Ministro Alexandre de Morais de “skinhead de toga”.

Outro comunicador que teve seus perfis e redes sociais bloqueadas foi o bolsonarista Oswaldo Eustáquio. Eustáquio foi preso por determinação do Ministro Alexandre de Morais, mas mantém seu site no endereço oswaldoeustaquio.com.br.

Allan dos Santos, que teve seu canal Terça Livre bloqueado no YouTube e sua prisão decretada pelo Ministro, continua publicando em seu site que mantém no endereço allansantos.digital.

O problema, para Alexandre de Moraes, me parece ser as redes sociais. Ou é através das redes sociais que o Ministro busca a executividade.

Explico.

Existem hoje no Brasil raríssimas decisões judiciais que tenham determinado a exclusão de conteúdo publicado por veículos digitais na internet. As que existem, todas que eu conheço foram revertidas por instancias superiores,

Do mesmo modo, não conheço nenhuma decisão que tenha proibido alguém de se manifestar sobre determinado assunto. Pelo menos não uma decisão que tenha sido mantida.

A censura, quando dirigida ao cidadão, é evidentemente inconstitucional. Mas a mesma inconstitucionalidade fica um pouco menos evidente quando a decisão é dirigida a uma pessoa jurídica.

É a pessoa jurídica que ostenta essa carência de direito fundamental. Até porque, convenhamos, é uma “pessoa” fictícea.

É muito mais fácil para um juiz determinar que uma empresa, ou até mesmo um veículo de imprensa organizado como pessoa jurídica, retire algum conteúdo de sua publicação ou que se abstenha de publicar sobre determinado assunto. Porque pessoas jurídicas (fictícias) não são detentoras de direitos fundamentais em um sentido próprio. Mesmo que algumas decisões judiciais reconheçam alguns direitos fundamentais extensíveis às pessoas jurídicas.

Quando o TSE proibiu a Jovem Pan de chamar o Lula de ex-condenado, o TSE não estava proibindo uma pessoa física de se manifestar sobre aquele assunto. Nem estava proibindo um cidadão de emitir a sua opinião política. Estava regulando um direito de expressão “extensível” a uma pessoa jurídica.

É por isso que, na minha opinião, as decisões do Ministro Alexandre de Moraes se destinam às redes sociais. Porque o Ministro percebeu essa diferença entre direito fundamental do cidadão e a ausência de direito fundamental propriamente aplicável à uma pessoa jurídica.

O caso Nikolas

Uma outra decisão do Ministro Alexandre de Morais, no entanto, chama a atenção no sentido inverso.

Hoje (26), após ter determinado o bloqueio do perfil do Deputado Nikolas Ferreira no Telegram, Alexandre viu sua determinação ser descumprida.

O descumprimento da decisão pelo Telegram iniciou a resistência dessa rede social ao que a Rede classificou categoricamente como censura.

Após a recusa do Telegram, Alexandre multou a empresa em 1,2 milhões por descumprimento. O que não teve efeito no cumprimento da decisão do Ministro.

Com o descumprimento, Alexandre voltou atrás e liberou as redes sociais do Deputado, impondo a multa de dez mil reais ao deputado no caso de publicação do que entender ser notícia falsa.

Moraes se colocou dessa forma como o Supremo Censor do Brasil, o cidadão não eleito que passou a decidir o que é uma notícia falsa.

O controle, no entanto, mostra um recuo do Ministro no sentido do reconhecimento de que é inconstitucional impedir a manifestação de um indivíduo.

Moraes não determinou a remoção de nenhum conteúdo em específico e reestabeleceu todas as redes sociais do Deputado.

Com a decisão, Nikolas não está proibido de publicar. O controle, assim, passa a ser posterior ao ato.

Na minha opinião, por mais absurda que sejam as postagens, é inadmissível que um deputado tenha suas redes sociais bloqueadas durante o exercício do mandato.

Nenhuma decisão do Ministro, pelo menos das que eu conheço até agora, proibiu a publicação de uma pessoa física em um veículo próprio.

A censura venceu

Pela primeira vez desde que obtive meu registro como jornalista deixarei de publicar o que eu acho, sei e tenho vontade de escrever.

É a censura tomando o espaço da liberdade de expressão.

Não vou deixar de publicar porque acho que não deveria escrever o que escrevo ou escrevi. Vou deixar de publicar porque o tempo e o esforço necessários para se defender em processos administrativos ou judiciais impõem a autocensura, porque torna muito laborioso o ato de publicar.

É esse esforço adicional imposto pelo assédio processual que torna a atividade jornalística viável apenas para quem já perdeu tudo, ou para quem não tem mais a perder.

É por isso que se eu não tivesse nenhum tostão, não haveria ameaça de processo que me impediria de publicar o que eu sei. Se eu não tivesse renda, nada teria a pagar em uma eventual indenização. Se eu não tivesse emprego, não teria do que ser demitido e se eu não estivesse no Brasil, não haveria alcance de nenhum outro tipo de coação.

Deixo assim o jornalismo para quando eu não tiver mais nada a perder e quando esse dia chegar, meu compromisso com a verdade também se irá se perder.

A verdade é privilegio apenas de quem tem a garantida a liberdade constitucional de opinião, informação e crítica. Quando a liberdade de expressão não é garantida, o anonimato torna-se obrigatório. Quem publica de forma anônima não se submete a nenhum tipo de controle, é a derradeira troca inconstitucional da liberdade não garantida pela vedação ao anonimato não respeitado.

Somente o anonimato garante de forma efetiva a liberdade de expressão.