Sindicância administrativa não tem testemunhas. Todos são investigados

Nessa semana tive a oportunidade de me debruçar sobre um assunto pouco estudado no Direito e muito importante na rotina investigatória da administração pública.

O assunto é o papel da testemunha na sindicância administrativa. Uma espécie de investigação conduzida pelo Estado.

Com elevada frequência o investigado é convocado para depor no inquérito administrativo, chamado Sindicância, como testemunha. Ocultando-se, dessa forma, sua condição de investigado.

O falseamento da condição do investigado tem como objetivo extrair informações e produzir provas contra o investigado, burlando seu direito de não colaborar com a atividade punitiva do Estado.

Esse direito é o chamado direito ao silêncio, previsto na Constituição Federal não apenas em questões criminais, mas também em seu Art. 5º, inciso LV, e se inclui entre o direito a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Meios estes, dentre os quais, se inclui o direito de não colaborar com a atividade punitiva do Estado.

“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

O direito ao silêncio é um importante meio de defesa contra os abusos praticados pelo Estado.

Consagrado na Constituição Federal de 1988, pôs fim ao chamado sistema inquisitivo, dando início ao que chamamos sistema acusatório. Tornando, dessa forma, a atividade investigatória muito mais civilizada.

Mas seria a sindicância administrativa um processo e seriam seus interrogados litigantes contra o Estado?

Processo, em sentido estrito, é toda sequência de acontecimentos interligados que estão relacionados entre si, em que em cada etapa se consumem recursos provenientes das etapas anteriores, produzindo um resultado.

Embora muitas vezes os expedientes administrativos sejam divididos entre procedimentos e processos, não há dúvida de que processo é todo conjunto de atos administrativos dependentes entre si que antecedem um resultado.

Nesse sentido, se há atos encadeados com o objetivo de subsidiar uma decisão final (resultado), há processo, independente da nomenclatura adotada pelo Estado.

Mas quando a inexistência de litígio e a ausência de acusação são elementos comuns na etapa investigatória?

A resposta à essa pergunta definitivamente depende da posição do individuo quanto a possibilidade, ou não, de vir a ser punido ou acusado em decorrência da atividade investigatória do Estado.

Só há litígio se há conflito de interesses entre dois ou mais atores. Sejam esses atores pessoas naturais, organizações, grupos ou o próprio Estado.

Quando não há possibilidade acusatória ou punitiva do Estado com relação ao indivíduo, chamado como colaborador da atividade investigatória, definitivamente não há litígio. Mas quando houver essa possibilidade, mesmo que em tese, ou decorrente de equívoco, má-fé, aparência ou imperícia, insistindo, o Estado, no objetivo de extrair do indivíduo elementos contrários ao seu interesse, com fundamento em dever, obrigação ou ética, contra a vontade do indivíduo, surge desse desencontro de interesses as condições definidoras do que se entende por litígio. Mudando, naquele exato momento, o papel do individuo, chamado como testemunha, que passa imediatamente à condição de investigado.

É por esse motivo, e por nenhum outro, que se tipificou como crime na Lei 13.869/2019 prosseguir com o interrogatório de quem manifestou o direito de permanecer em silêncio, quer seja ele denunciante, testemunha ou acusado.

Somente o interrogado é quem possui condições de discernir sobre a situação que lhe é apresentada. Cabendo ao interrogado, e somente ao interrogado, discernir sobre sua posição enquanto colaborador ou sujeito da atividade investigatória promovida pelo Estado.

Isso porque, em última análise, podendo o inquérito resultar em uma acusação formal que recaia sobre qualquer pessoa que tenha colaborado com a atividade investigatória do Estado, a etapa investigatória não possui testemunha típica.

Devido a completa ausência de constrição a um fato específico, objeto da sindicância administrativa, durante a investigação e antes da acusação formal, todos são investigados.